Amor: Começo por me apresentar, não que seja necessário porque nenhum sentimento será mais famoso que eu. Mesmo que não me conheçam pessoalmente, tenho a certeza que já ouviram falar de mim. Sim sou eu o amor. Eu sei o que estão a pensar. Sim, eu o selvagem idiota que se lembra de vos ocupar o corpo inteiro quando bem lhe apetece, afinal tem maneiras de boa educação. Sabem, eu apenas sou selvagem no que toca ao meu belo trabalho. De facto mesmo dependendo de um corpo presente para o efectuar, nunca tive horas de entrada ou saída, faço simplesmente o que me parece bem para a altura. Também já se podem considerar com bastante sorte se alguma vez vos preenchi com a minha extraordinária presença por uns breves segundos. Tenho tanto que fazer, e tantas pessoas para visitar que sinceramente nem sei porque se queixam tanto se pelo menos uma vez na vida me sentem verdadeiramente. Eu sei que deixo sequelas, e por isso uma vez que vos tenha visitado, algo de bom permanecerá em vos para o resto da vida. Deixo-vos sempre fragmentos microscópicos de mim para vos aquecer a alma eternamente, por isso ando sempre tão exausto. Sim, e ainda me atiram insultos e esse tipo de aberrações por me terem tão pouco. Sabem se eu deixasse mais de mim sempre que visito alguma pessoa, já não havia amor no mundo há muito tempo. É claro que isso já se diz, mas é mentira. Estas notícias de boca em boca, irritam-me bastante. Sabem um sentimento também tem direito ao seu descanso? Tenho que recuperar forças, para continuar no meu esplendor. E este descalabro de depressões que por ai anda? Deixa-me doente. Então um sentimento tão belo como eu visita-os por um pouco, e ainda há problemas depois disso, porque simplesmente não sabem usar a cabeça, e reviver essa altura durante algum tempo pelo menos, e construir uma vida baseada em mim?!
Ódio: Pois claro que não. Então existo eu, claro, para os consumir aos poucos e assim tornar-me cada vez mais viva. Estes humanos completamente desprovidos de controlo, não são capazes de me resistir. Sim, sempre me considerei uma tentação. Todos me querem mesmo sabendo que vos trarei apenas infelicidade. Eu sou aquela que vos chama com um sussurro e vocês nem pensam duas vezes, e seguem-me logo. Claro que no inicio se sentem mais fortes, mais capazes de fazer o que vos apetece sem se sentirem presos a ninguém, mas eu sou mais esperta que vocês, seus palermas. Depois destes anos todos ainda não perceberam a minha jogada? Eu traio a vossa confiança num piscar de olhos, e quando vocês menos esperam nessa vossa sede de mim, eu tiro-vos tudo o que têm, e ficam sem nada, um vazio que vos ocupa, e eu completamente repleta de mim, e com mais forças para continuar. Mesmo assim continuam a procurar o meu apoio. Enfim, eu sou o sentimento mais feroz, mais esperto, até consigo fazer-vos deixar de pensar correctamente, apenas para me sentirem por completo. Sim, eu sei que esse amor que por ai anda, a dizer que é o maior, e essas chachadas de que tanto se gaba, também vos tira um pouco da razão, mas eu sei que sou melhor. Até mesmo, porque quando ele voz deixa, burros como vocês são, não percebem que podem ficar com a luz dele por dentro na mesma, e então chego eu, ilumino-vos ainda mais, preencho-vos com linhas de fogo invisíveis que vos cegam, e logo de seguida mergulho-vos na escuridão. E é ai que vocês erram. Eu fico com o que ele deixou em vos, e vocês sem nada. É que podia ser uma questão de sorte, mas não, posso repetir estes golpes vezes sem conta, que sou sempre bem sucedida.
Razão: estarei correcta se ignorar o que foi antes dito? Sentimentos completamente abstractos são a fonte de todos os males. Seja amor, ódio ou qualquer outro que se possa sentir, mesmo que na sua prepotência de acharem que não sou necessária, sou apenas porque se não existisse não saberiam o que estão a sentir. Como actuariam sob influência do ódio, se eu não existisse, para vos fazer os planos, para vos traçar as metas, para vos fazer sobreviver na escuridão? E o amor? Mesmo que me deixe levar no seu encanto, porque sempre me cativou pessoalmente, como saberiam que o sentem sem eu vos dizer? Como saberiam que eu fraquejo na sua presença se eu desaparecesse por completo? Como saberiam que fico baralhada quando apenas sentem, se não vos avisasse?! Nem o mais tolo dos tolos, está livre de mim. Sem sentimentos, não posso viver claro, pois não teria muito que racionalizar, não saberia o que é o bem ou o mal de acordo com os seus efeitos, e não poderia alertar. Necessito deles para me formar, para ter noção dos acontecimentos que me causam alegria ou tristeza, que trazem saúde ou doença, mas quando estou formada, posso imita-los na perfeição, apenas com a minha força de vontade. Posso fazer-vos acreditar que sentem, quando apenas pensam que sentem. Essa é a minha grande vantagem sobre eles. Eles ocupam-vos durante um curto período de tempo, apenas para se darem a conhecer, e depois sou apenas eu que vos controlo. Sou tudo o que têm a maior parte da vida, sou eu que vos prendo a alguém ou a varias pessoas, sou eu faço recordar dos efeitos que o amor teve, e que o ódio pode ter. Sou eu que vos recordo dos momentos felizes e infelizes que viveram. Sem mim que seriam? Não seriam porque não sentiriam, e apenas o vazio seria o vosso companheiro de viagem.