terça-feira, 17 de julho de 2007

Chuva

Começou a cair. Lentamente e depois com a força necessária para se fazer sentida.

A chuva.

Gosto de a sentir molhada no meu rosto, nos meus cabelos e nos meus dedos.

A chuva lava a alma. Espero que me lave os pensamentos também. Espero.

Os pensamentos correm como um comboio em movimento. Sou uma passageira e vejo o sol da pequena janela que me sobra para o mundo. Queima-me. Sinto a pele a estalar. É fogo que queima. Agita. Apaixona e aquece demasiado o que deveria permanecer apaziguado. Os pensamentos saltam agora. Este fogo vai fazê-los fugir. Consigo pressentir. Não consigo impedi-los.

Não consigo parar de pensar. Eles não param de correr. Correm, baralhados, rastejam, caem, tropeçam uns nos outros, atrapalham-me. Se chovesse, eles podiam acalmar. Mas não. Não chove e não param de me atormentar. Sempre o mesmo calor. Sempre o mesmo fogo a queimar-me a alma.

Quero pensamentos calmos e preciso de sentimentos resolvidos. Virar paginas e paginas da minha vida já escritas, lidas e relidas, reflectidas, analisadas e pensadas. São os pensamentos agitados que me fazem tomar decisões que não tomaria em tempo de chuva. São os sentimentos reprimidos que afugentam os meus pensamentos e os fazem correr desenfreadamente. Como se de mim própria quisessem fugir.

A chuva que os leve.

A chuva que os lave.

A chuva que os faça parar.

Que me faça parar também.

Se não foi a chuva que lavou a minha alma, foste tu que a levaste quando partiste. Se assim foi, então mata-me mais um pouco. Viver uma meia vida não me chega. Sofro demais. Nunca chegou nada pela metade.

Mata-me um pouco mais. Não te preocupes. A chuva trará nova alma para o meu corpo. E nessa altura, nessa altura sim! Os pensamentos abrandarão. Os pensamentos marcharão lentamente ao sabor da minha vontade. Aprenderam como a chuva a mover-se ao sabor do vento.

A chuva por fim apagou o fogo que me queimava por dentro. A chuva parou os pensamentos fugitivos.

Novamente, sou uma só. Com alma, pensamentos e sentimentos.

Não sou mais passageira no comboio da minha vida. Comando-a. Tenho experiência. Não haverá acidentes, já não tenho pensamentos fugitivos no caminho.

Mataste-me mas eu renasci. E melhor.

Um comentário:

code disse...

engraçado, também falas da chuva e da última janela de esperança, como eu falei no meu comentário ainda não tendo lido este teu post.

Identifico-me mesmo com aquilo que escreves. Continua! Lança um livro, vários... uma biografia, um romance, um diário, um apanhado de poemas soltos, frases profundas, ideias utópicas, imagens mágicas... e deixa um em branco para eu poder partilhar o que cada um deles me diz :)

Abraço,
André.