sexta-feira, 30 de abril de 2010

Fim de tarde

Lá fora o ceu está um amarelado enjoativo com cheiro a relva molhada e trovões. Desde que me lembro de existir que destingo o cheiro do calor e estes dias nem carne nem peixe deixam-me atordoada. Como se um Deus unico ou não, Zeus, Horus ou Huitzilopochtli, incrivel todos do sol e guerra, e hoje essa guerra sou eu. Não me sinto carne nem peixe como ele, o adjectivo que me consigo dar neste momento só pode ser confusa. Tenha a certeza que o estou. Não me sinto esquecida nem lembrada, nem feliz ou triste por coisa nenhuma. Tudo e nada acontece e não sei se tenho vontade. São dias assim. Nem se podem dizer que são dias maus porque era injusto. Não são. O amarelo vai lentamente passando para vermelho e a lua já se vê. Parece que alguém se lembrou de mudar de decoração lá para cima e mudaram as cortinas para vermelho opaco, e o azul do interior deixou de existir. Podia pensar que era um castigo, mas estou confusa. Parece-me mais uma brincadeira de criança, como quem troça de quem alguma vez imaginou como seria a vida se o céu fosse doutra cor. Era assim. Um mundo alienigena no seu proprio mundo. E só quem tem tempo para olhar para o céu se apercebe que os tons são cada vez mais assustadores. Lá fora os carros apitam e parecem-me formiguinhas inuteis com as suas vidas a correr. Devo talvez ter um pouco de inveja da sua falta de pensamentos, da sua talvez maior inocencia, e sanidade também. Quem sabe. Eu certamente não sei. Tudo neste dia parece incerto, parece que vai mudar. Quando chega a primavera tenho a sensação de felicidade de que tudo muda para melhor, tudo fica alegre, feliz até. Mas estes fins de tarde veêm provar que é só um segundo disso a que temos direito. O resto é incerteza. O resto resta-nos. E é com esse resto que temos que pairar pela vida. Sem certeza se foi o certo. A pensar que foi o errado e agora não há volta atrás. Pelo menos não nestas condições. E o céu agora lembra sangue. Tenho a certeza que foi o errado agora. Mas o tempo não pára. E sorrir sempre foi o melhor remédio, para afastar mentes curiosas.